O sentimento de vingança não acabará com a morte de Osama
Por Farooq Tariq
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12/05/2011 – PSOL Brasil – A reação de massas após o assassinato de Osama Bin Laden no Paquistão durante os primeiros 4 dias é bastante heterogênea e misturada. É diferente em cada lugar. As massas de Punjab sentem, em geral, simpatia por Osama, ainda que não são muitos que o expressem de forma ativa. Em Sindh, a resposta é diferente a cada cidade. Em Karachi, há mais comiseração ativa por Osama e condenação do ataque americano. Surpreendentemente, nada aconteceuem Khaiber Pakhtoonkhawa, onde Osama foi morto. Baluchistan assistiu a uma reação inexpressiva contra os assassinos. De qualquer modo, 4 dias após o assassinato, a reação contra o ataque da mansãoem Abbot Abadestá se tornando mais intensa e parece se espalhar para outras áreas. Estas duas províncias foram governadas por religiosos fundamentalistas de2002 a2008, período em que eles fugiram do Afeganistão e encontraram um refúgio seguro nestas áreas.
Foi quando o General Mushraf estava praticando um jogo duplo com o imperialismo americano. De um lado, se juntou à coalizão da “guerra contra o terror”, verificando a respiração dos fundamentalistas e para isso demandando mais e mais ajuda econômica e militar. Durante esse período, Bin Laden deve ter entrado no Paquistão Em maio de 2011, o ataque americano tomou a todos de surpresa, e as pessoas ficaram perplexas e caladas. Ninguém esperava por isso depois da soltura de David Ramond, matador da CIA que assassinou duas pessoas em plena luz do dia em Lahore no início do ano, passo dado pelo imperialismo americano para dominar o Paquistão. A reação mansa das massas nos primeiros 4 dias foi representativa do estado geral de apatia e desesperança. Ao contrário da reação mansa diante do assassinato de Osama, o assassinato de 2 paquistaneses pelo americano David Raymond foi forte e colocou o governo na defensiva.
Os partidos políticos religiosos como Jammat Islami e Jamiat Ulemai Islam estão ganhando tempo até manifestarem apoio a Al-Qaeda. Eles não estão falando uma palavra sobre o assassinato e as atrocidades cometidas pela Al-Qaeda, mas estão bastante afeitos à idéia de se vingar da “violação da soberania paquistanesa”. A linha dura do Jamat Dawa de Hafiz Saeed é o grupo religioso fundamentalista mais ativo e demonstrou condolência com Bin Laden. Não demorará muito para que os partidos fundamentalistas tentarem capturar a simpatia das massas através de Osama, e tomarem as ruas contra o ataque americano.
Os partidos burgueses, como o Partido do Povo do Paquistão (PPP), a Liga Muçulmana Q do Paquistão (PMLQ) e a Liga Muçulmana N do Paquistão, tendem a apoiar a ação americana e sua forma de levar a cabo a guerra ao terror, além de verem o ato como uma grande vitória contra a ascendência do fundamentalismo religiosoem geral. Apesardisso, eles discordam sobre as diferentes versões dos fatos. O governo do Partido do Povo do Paquistão ainda não deu as caras com uma explicação. Estão confusos e fazem afirmações contraditórias. Os vários departamentos do governo fazem declarações opostas.
A aliança entre Paquistão e os EUA
No ano passado, a relação entre EUA e Paquistão se intensificou. Houve mais visitas dos chefes da inteligência em cada país. Os agentes da CIA deram amplo número de vistos sem perguntar coisa alguma. O Paquistão passou a reunir uma das maiores concentrações de agentes da CIA durantes esse período. Estavam fortemente equipados e sentindo-se à vontade, o que ficou claro quando David Raymond foi preso em Lahore depois de matar 2 paquistaneses. Parecia que os EUA possuíam uma informação concreta sobre a presença de Bin Laden no Paquistão. O governo do Paquistão ofereceu carta branca para o zangão atacar e até mesmo abandonar a condenação em palavras, prática até então mantida nos processos. O governo dos EUA deu ampla margem de manobra ao frágil governo do PPP em todo momento. O atual governo do PPP aceitou os “conselhos” do imperialismo americano, do FMI, do Banco Mundial sem hesitação. Qualquer esforço de derrubar o governo por qualquer meio não se concretizou por causa do suporte do imperialismo americano.
O governo dos EUA nunca tinha encontrado parceiro melhor, com corruptos fáceis de cooptar, e repleto de elementos antipopulares. O imperialismo foi até mais longe, tentando trazer a Liga Muçulmana Q (PMLQ) à aliança, partido aliado do General Mushraf, e convidou-os a participar do governo formalmente. Não foi coincidência que no dia que Osama foi assassinado, 14 ministros do PMLQ fizeram seus juramentos e entraram formalmente ao governo. O mesmo governo que foi chamado pelo novo ministro do PMLQ de um “navio afundando”. A violação da soberania do Paquistão feita pelo governo americano não abalará verdadeiramente as relações entre os dois colegas. Ao contrário, a relação irá se intensificar. Obama não falou muitas palavras contra o governo do Paquistão, ao contrário, ambos prezaram pela divisão mútua das informações sobre o assunto.
Um esforço conjunto
O ataque contra o grupo de Osama foi uma operação conjunta entre as agências de inteligências do Paquistão e dos Estados Unidos, que transcorreu durante os últimos anos. Eles tinham relações mais cordiais do que em outros tempos. General Kiani, o chefe do ISI (Serviços Integrados de Inteligência do Paquistão) passou a comandar o exército quando Mushraf era presidente. Ele tem um histórico de trabalhos unificados com o imperialismo americano.
Em 2007, Kiani, como chefe do ISI, começou as negociações com Benazir Bhutto para unificar esforços com Mushraf, e ela concordou. Quando Benazir pressionou o General Mushraf para deixar as responsabilidades com o exército, o General Kiani se tornou chefe do exército. Durante os últimos 3 anos, sob mando de Kiani, as operações militares contra os fanáticos religiosos aumentaram muito. O staff do exército do Paquistão quebrou os tradicionais vínculos com os fanáticos, e certamente pagaram o preço por isso. Os quartéis se converteram em alvos e vários comandantes militares importantes foram assassinados por fanáticos.
Polarizações nas fileiras do exército paquistanês
Há uma enorme polarização entre as altas e baixas patentes do exército. Os oficiais de alta patente possuem relações bem próximas do imperialismo americano, seu modo de vida é liberal e adotaram valores ocidentais. Obtiveram montanhas de dinheiro e detêm controle de vastos bens. Enquanto isso, as baixas patentes são muito religiosas e ainda acreditam na filosofia dos sentimentos anti-indianos e anti-ocidentais. A maioria é simpática aos partidos de fanatismo religioso. Aqui reside a natureza da hesitação do governo americano em confiar no exército paquistanês, e em entregar o comando das tarefas importantes para as agências de inteligência paquistanesas.
O terrorismo religioso não irá acabar
Apesar do grande golpe na Al-Qaeda, o fundamentalismo religioso e os grupos terroristas extremistas irão crescer. “A mais importante fonte psicológica do terrorismo é sempre o sentimento de vingança que busca um escape”, de acordo com Leon Trotsky que escreveu o excelente panfleto “Porque o marxismo se opõe ao terrorismo individual”. O sentimento de vingança não irá acabar com Osama. Tanto o imperialismo americano quanto a Al-Qaeda seguirão adiante nessa rota. O assassinato de Osama e lançamento de seu corpo ao mar Arábico não será um incidente despercebido na mente de milhões de jovens muçulmanos que se opõem ao imperialismo americano. O terrorismo religioso irá crescer como resultado das políticas do próprio imperialismo americano. O assassinato de Osama não alterará fundamentalmente a presente correlação de forças, e as tendências fundamentalistas continuarão se ampliando de diferentes formas. Vários novos grupos serão formados e o ato de terrorismo individual será praticado em diferentes partes do mundo.
Isso não significa que o fanatismo religioso pode conquistar o poder no Paquistão. O exército paquistanês é uma força brutal e já demonstrou em vários momentos a capacidade da violência que podem acionar caso esteja ameaçado. O exército paquistanês está ombro a ombro com o exército americano, e pretendem ter a certeza de que os fanáticos não tomarão Islamabad, além de sempre sustentarem um braço na tecnologia nuclear. A ameaça de terrorismo individual é constante, pois os fanáticos têm uma visão mundial e estão espalhados em muitos países. Não são como o IRA na Irlanda, que lutou em nome da libertação nacional, e sim mais como a Brigada Vermelha, que lutou ideologicamente por uma mudança sistêmica. A Brigada Vermelha não podia operar por muito tempo, foi esmagada e tinha uma base social estreita, devido à falta de consciência da classe trabalhadora européia.
A Al-Qaeda e outros fanáticos religiosos estão explorando os sentimentos religiosos de milhões de muçulmanos. Há inúmeras tendências e grupos que representam os diversos setores do islamismo. E com isso, puderam organizar bases sociais de massas em vários países. Al-Qaeda é sem dúvida a organização terrorista de maior sucesso no mundo. Eles realizam seus atentados e atingem seus alvos. Possuem em suas fileiras uma brigada de missionários suicidas prontos para ir diretamente ao paraíso por matar a si próprios e aos outros. Eles sobreviveram por quase duas décadas e não há sinal de fracasso, apesar do assassinato do seu líder. De qualquer modo, o ato de terrorismo individual não pode durar para sempre e possui seus próprios limites.
Os limites do terrorismo individual
O fim de Osama é um grande golpe na Al-Qaeda e em suas táticas. O ato de terrorismo individual tem seus próprios limites. O terrorismo de Estado tem prevalecido, por enquanto, com a morte de Osama. O terrorismo de Estado não pode ser separado do ato de terrorismo individual. Ambos têm a mesma natureza e direção. Ambos terão as mesmas conseqüências. No entanto, o ato de terrorismo de Estado pode ter posições duradouras e refugia-se em várias máscaras.
A ação terrorista mais bem sucedida realizada pela Al-Qaeda em 11 de setembro, não foi um ato que beneficiou os muçulmanos, tal como alegou a organização. Jogou milhões de mulçumanos na mais completa miséria. O ato satisfez a alma de poucos heróis, como Osama, e foi um dano para a alma de milhões. O imperialismo, por outro lado, foi à loucura e fez o que já era esperado do perverso e bárbaro imperialismo norte-americano.
Comentando sobre uma situação na Rússia, após o assassinato de um ministro, em 1911, Leon Trotsky, um dos principais arquitetos da Revolução Russa, escreveu o seguinte: “Se um atentando terrorista ‘bem sucedido’ pode balançar a classe dominante, depende da situação política concreta. De qualquer forma, a instabilidade será de curta duração. O Estado capitalista não se baseia em ministros e não vai ser eliminado com a simples morte deles. A classe a que servem sempre encontrará novas pessoas e fazer com que o mecanismo permaneça intacto e continue a funcionar. Quanto mais “eficaz” é um ato terrorista, quanto maior é seu impacto, tanto mais ele faz reduzir o interesse das massas na auto-organização e na auto-educação. Em algum momento, a fumaça se dissipa e o pânico desaparece. O sucessor do ministro assassinado faz sua aparição, a vida volta à velha rotina, a roda da exploração capitalista volta a girar como antes; apenas a repressão policial se torna mais selvagem e aberta. E como resultado, no lugar das esperanças renovadas e excitação artificialmente provocada, vêm a desilusão e a apatia.” (Leon Trotsky, Novembro, 1911)
Assassinatos podem acabar com o fundamentalismo religioso?
Veja a seguinte citação de Hilary Clinton, em 2009, sobre seu apoio à Mujahidins no Afeganistão. Comentando sobre o apoio à Mujahidins nos anos 80, ela falou sobre o que pensava de sua administração à época: “Vamos lidar com o ISI (agência de inteligência do Paquistão) e os militares do Paquistão e vamos contratar esses Mujahidins. Aqui há um argumento muito forte que é… não há mau investimento para acabar com a União Soviética, mas vamos ter cuidado com o que semeamos… porque nós iremos colher” (Hilary Clinton, 23 de abril de 2009).
Desde os últimos 10 anos, ambos os lados estão colhendo o fruto semeado. Um ato de vingança conduz a outro ato de vingança. Os presentes assassinatos na Abbot Abad fatalmente levará a atos de vingança.
O fundamentalismo religioso não pode ser derrotado pelo uso da força. A guerra e as políticas de ocupação promovidas pelo imperialismo norte-americano evidenciam esse fenômeno. Precisa haver luta política para expor o real significado do fundamentalismo religioso para as pessoas comuns. “Você não pode matar as idéias” é a lição que deixa a crescente influência das forças religiosas em todo o mundo mulçumano.
A ascensão da política islâmica
A ascensão da política islâmica está ligada à crescente fraqueza dos partidos de esquerda no mundo mulçumano, durante a década de 90, após a queda da União Soviética, de um lado e, por outro, a perda de credibilidade dos partidos anti-imperislistas, como o Partido Popular (Bhutto’s) no Paquistão. A religião tornou-se a única plataforma anti-imperialista acessível. Os extremistas, como os Talibãs e a Al-Qaeda, de modo algum representam uma alternativa contra o imperialismo: eles exploram, oprimem e matam aqueles que não compartilham de suas crenças.
Os fanáticos religiosos e as forças imperialistas estão prestando, mutuamente, mais esforços para a escalada da violência. Os fanáticos religiosos não podem ser iluminados por significados militares. Há de haver uma estratégia global e de visão política e econômica ampla para combater os fanáticos. O Estado paquistanês deve terminar suas formas de apoio às guerras e seitas religiosas. Pelo menos 10% do orçamento nacional deve ser gasto em educação e a educação deve ser gratuita até o nível universitário para todos os paquistaneses. O Estado deve garantir a dissociação entre Estado e práticas religiosas.
Os novos fascistas
Os fanáticos religiosos são novos fascistas. Eles acreditam na eliminação física dos opositores políticos. Eles não são anti-imperialistas ou uma força progressista contra a hegemonia do imperialismo. Eles são apenas uma força de extrema direita que querem fazer o relógio da história andar para trás.O crescimento do fundamentalismo religioso não se deveu apenas à ajuda enorme dos americanos e as agências de inteligência do Paquistão, mas também, do completo fracasso dos governos civis e militares do Paquistão em resolver os problemas fundamentais da classe trabalhadora. Sucessivos regimes têm sido incapazes de acabar com o controle do feudalismo, a natureza absoluta de exploradores capitalistas do Paquistão e seu tratamento humilhante com os trabalhadores, a repressão das nacionalidades menores e a exploração privada de recursos naturais de que dispunham.
O fracasso do governo civil
O governo do Paquistão está agindo cegamente diante dos ditames da administração de Obama. As políticas e medidas econômicas ditadas pelo imperialismo e suas instituições, como o FMI e o Banco Mundial estão promovendo guerras e miséria macroeconômica para o povo do Paquistão. O governo do Paquistão tem de mudar suas prioridades políticas e econômicas e abandonar a aliança com o imperialismo americano.
A classe dirigente fracassou em trazer qualquer das normas democráticas e não há nenhum motivo para as massas defenderem esses pseudodemocratas. É por isso que sempre que um governo civil foi derrubado por ditaduras militares, as massas não ofereceram qualquer resistência.
Os ataques suicidas diários deixaram toda a população em uma vida de medo. A sensação geral era de um futuro incerto. Esperança e otimismo são as grandes perdedoras nessa situação.
O que devemos fazer?
O assassinato de Osama pelos americanos abre uma nova era de conflito. O incidente não passará despercebido pelos demais grupos e indivíduos ligados à Al-Qaeda e outros grupos terroristas religiosos fundamentalistas. Nós temos que opor-nos a ambos. Não há o que escolher. Temos que expor nossa própria posição sobre o anti-imperialismo e o fundamentalismo anti-religioso. Temos que expor a propaganda dos dois. Nós não confiamosem ninguém. Aascensão do fundamentalismo religioso é um resultado direto das políticas adotadas pelas forças imperialistas americanas. Uma luta contra o imperialismo, o colonialismo e o neocolonialismo deve ser a prioridade principal de toda a nossa propaganda. Isso não significa qualquer concessão para os fanáticos. Apenas faz mais sentido para nós, que trabalhamos no chamado “mundo islâmico”.